5 de jun. de 2014

PARA SER CRIATIVO, É PRECISO SER TRADICIONAL!

Imagem: Aluízzio Vieira - Arranjo de mesa comestível: A horta.


Com a expansão global, surgiu uma maior oferta de ingredientes no mercado mundial possibilitando que os núcleos culturais se adaptassem as novas tendências e pudessem constituir e desenvolver suas identidades gastronômicas, através de técnicas tradicionais e contemporâneas, do surgimento de novas receitas e o enraizamento do poder criativo na elaboração e transformação de alimentos locais, dando espaço a movimentos que organizaram e desenvolveram a cozinha rumo à alta gastronomia.

Fatores de escala global modificaram o cotidiano dos povos como as guerras, os movimentos libertadores e as novas tecnologias, influenciando diretamente e indiretamente na constituição de uma nova organização gastronômica. Surge assim, a alta gastronomia, que se enaltece através de dois movimentos conhecidos como cozinha clássica e a nouvelle cuisine.

A cozinha clássica se destacou no século XIX, e “ganhou importância e notoriedade em função de ter sistematizado os processos de preparação dos alimentos e introduzido uma organização física e operacional na cozinha, com a criação de receitas complexas e procedimentos que valorizavam muito o ato de preparar uma refeição”. (MONETA E BARBOSA, 2011).

Na década de 70, surgiu o movimento da nouvelle cuisine na França em contraponto com a cozinha clássica, onde alguns chefes se uniram para criar uma nova cozinha, que é confeccionada a partir de formas leves e delicadas na transformação dos alimentos e no momento de apresenta-los ao comensal. Tem como princípios, o envolvimento dos sentidos a través da incitação do uso recíproco de percepções que garantam uma leitura diversificada dos alimentos.


Entre os preceitos da Nouvelle Cuisine estava a valorização dos produtos locais, oposição às técnicas complicadas de preparo, redução dos tempos de cocção, uso de ingredientes frescos, rejeição de menus extensos, interesse pelas cozinhas regionais, receptividade com relação às novas técnicas e equipamentos, criatividade e valorização estética na apresentação dos pratos. (JAROCKI, 2009).


A evolução da alta gastronomia ultrapassa as barreiras do entendimento tradicional e encontra na química e na física uma nova forma de ser elaborada e entendida pelos chefes, comensais e críticos gastronômicos. O uso de novas técnicas, utensílios e tecnologias levam os alimentos a um novo conceito; o de gastronomia molecular, onde os alimentos são desconstruídos, potencializados e reformulados a partir de uma formação molecular compatível.


O químico Hervé This e o físico húngaro Nicholas Kurti começaram a estudar cientificamente os fenômenos culinários e não mais os alimentos e, a partir disso, a gastronomia molecular passa a ser definida pela exploração dos componentes técnicos, artísticos e relacionais da cozinha, uma prática em que se combinam ingredientes cuja composição molecular é compatível (MONETA E BARBOSA, 2011).



A partir dessas escolas e movimentos que fundamentaram o saber fazer criativo dos profissionais de cozinha, para construir novas composições a partir de matérias primas tradicionais e pouco valorizadas, para direcionar os novos métodos a uma solida acessão na identidade da alta gastronomia.

A união de esmero, criatividade e o anseio de tornar a gastronomia brasileira como um referente mundial, motiva os cozinheiros a construção e elaboração de novos sabores a partir de ingredientes regionais, com interfaces de produtos mundiais para compor novas explosões sensoriais no momento sagrado da refeição.

Diante desta ótica modernista, alguns cozinheiros ancoram-se na valorização dos produtos locais, no intuito de estimular as cadeias produtivas de alimentos tradicionais, ainda pouco utilizados na alta gastronomia, a fim de valorizar o trabalho dos pequenos núcleos familiares da região, como relata, (Zuin e Zuin, pag 36 2008):


“a produção desses alimentos tradicionais resgata não só a cultura local e familiar, mas resgata o homem como sujeito dos processos produtivos, uma vez que é o homem o principal criador e “transmissor” dos conhecimentos, procedimentos e modos de fazer que são inerentes a esses produtos”.



O trabalho conjunto entre os produtores desses alimentos e com os cozinheiros detentores das técnicas clássicas e contemporâneas, que o referente trabalho se baseia, na tentativa de reajustar e enaltecer os produtos locais com novas formas de elaboração e apresentação criativas.

É nesse contexto que me envolvo unido a inquietude de outros cozinheiros, numa tentativa de instituir uma gastronomia criativa para o estado da Paraíba, elaborando pratos com técnicas de cozinha clássica e contemporânea e utilizando tanto matérias primas, como produtos regionais que sejam imbuídos de cultura.

Os pratos elaborados por mim e por diferentes convidados nascidos na Paraíba tem como pretensão, encontrar uma junção de sabores ligados à matéria prima local, rompendo com os preconceitos alimentares instituídos pela mídia ou até mesmo pelo modismo.

Estes sabores marcantes e conhecidos em formatos tradicionais se fundem em novas texturas e notas sensoriais para criar em um passeio gastronômico contemporâneo, concatenando em receitas, um alto design criativo, que prima pelo despertar de todos os sentidos, na tentativa de criar um momento único para os comensais da Paraíba, visitantes e curiosos.

TEXTO: ALUÍZZIO VIEIRA




FONTE:

JAROCKI, Isabella Maria Coelho. Circuito delícias de Pernambuco: a gastronomia como potencial produto turístico. Rev. Tur. Anál. [online]. 2009, vol.20, n.2, pp. 321-344. ISSN 1984-4867.

MONETA, Marina e BARBOSA, Maria de Lourdes de Azevedo. Cultura de Consumo Alimentar e Simbologias da Cozinha Molecular: Uma Perspectiva Baseada nos Discursos de Chefes de Cozinha. VIII Seminário da Associação Nacional Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo 02 e 04 de outubro de 2011 – UNIVALI– Balneário Camboriú/SC. Acessado em 10. Set. 2012 às 13:45.

ZUIN, Luís Fernando soares; ZUIN, Poliana Bruno. Produção de alimentos tradicionais: extensão rural. Aparecida, SP: Editora Idéias e Letras, 2008.

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